A CONSTITUIÇÃO SOCIAL DA FINANCEIRIZAÇÃO URBANA NO BRASIL: O PAPEL DAS OPERAÇÕES URBANAS COM CEPAC
A pesquisa visa realizar uma análise crítica da trajetória das operações urbanas consorciadas (OUCs), com foco no seu mecanismo de financiamento, o Certificado de Potencial Adicional Construtivo (Cepac). A aplicação deste instrumento em São Paulo – particularmente nas OUCs Água Espraiada e Faria Lima – representa o principal objeto de estudo, porém também são realizadas considerações sobre a experiência do Rio de Janeiro e as tentativas de disseminação em outros municípios. Busca-se refletir a respeito dos desafios que os processos de financeirização e neoliberalização trazem para a governança urbana. Mais especificamente, procura-se prover novos insights para compreender o processo pelo qual lógicas, métricas e agentes financeiros penetram no ambiente construído, provocando transformações estruturais nos padrões de provisão de infraestrutura, planejamento e financiamento urbano. Para este fim, a tese estrutura-se em três partes. A primeira dedica-se ao debate acerca das transformações no modo de regulação capitalista nos países centrais pós-1970, com a progressiva dominância dos capitais rentistas-financeiros, e como tais processos culminam em novos regimes espaciais-estatais. Na segunda parte, estes temas são contextualizados para o Brasil, observando como articulam-se às características históricas da urbanização e do processo de desestruturação do nacional-desenvolvimentismo. No último capítulo realiza-se uma reconstrução histórica da trajetória das OUCs, a partir da interação dialética entre o “Cepac idealizado” e o “Cepac Realmente Existente”. Argumenta-se que a dificuldade de as OUCs entregarem o que prometem, relaciona-se as próprias contradições da sua fórmula, como a premissa de haver convergência entre interesses públicos e privados, e o caráter especulativo relativo à série de incertezas que cerca a geração da renda, o ritmo da sua formação, e a associação destes fatores com o aumento do preço do Cepac. Também guarda relação com as práticas calculativas do Cepac, que orientam-se pela garantia das expectativas de rentabilidade dos empreendedores imobiliários e não possuem uma correlação obrigatória com o custo da infraestrutura a ser instalada. A partir da análise da evolução histórica das modelagens das OUCs, desde a sua origem até os novos modelos surgidos após a experiência do Porto Maravilha, observa-se uma progressiva penetração de racionalidades, práticas e atores financeiros, o que tem impulsionado o tratamento dos comuns urbanos – a terra, o solo criado, as redes de infraestrutura, o fundo público, a base tributária – como ativos financeiros que podem gerar e capitalizar fluxos de caixa periódicos. Constata-se a emergência de um novo ciclo de experimentações neoliberais urbanas no país, marcado por uma diversificação dos instrumentos norteados por PPPs e destinados ao redesenvolvimento imobiliário de áreas pontuais, novas institucionalidades estatais subnacionais que atuam como empreendedoras do patrimônio público, pela securitização de uma gama maior de fluxos financeiros provenientes das cidades, e por um aumento da permeabilidade da gestão urbana aos agentes privados, com um aumento da participação de empresas estrangeiras na provisão de infraestrutura. Tais fatores apontam para uma complexificação da estrutura de conflito social em torno da apropriação privada da riqueza gerada nas cidades, e uma crescente dificuldade de as políticas urbanas não serem encapsuladas por critérios mercantis.