Governamentalidade liberal conservadora das águas na metropolização de São Paulo: o risco de morte pelos fluxos das águas como método de análise histórica dos ciclos hidrossociais
O objetivo desta pesquisa é problematizar a racionalidade liberal conservadora envolvida na história da prestação dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário na formação da Metrópole de São Paulo, dentro do período de 1875 a 1973. A racionalidade dos governos das águas de São Paulo pode ser pensada, por meio da positividade das práticas discursivas que os constituem, segundo as regularidades discursivas do risco de morte pelas águas e da estratégia de busca por mananciais cada vez mais distantes, dentro da singularidade histórica em que são constituídos os ciclos hidrossociais da urbanização (1881 a 1949) e da metropolização (1949 a 1974). Esta abordagem teórica está baseada na analítica do poder foucaultiana, razão pela qual não se trata de realizar uma representação dos conflitos e apontar melhores ou piores soluções de políticas públicas, conforme determinados princípios normativos ou teóricos, mas se trata de questionar as relações de poder inscritas na forma de governar liberal conservadora de acesso água na região em questão. A partir do pressuposto metodológico de que as relações de poder, envolvidas no acesso à água, são relações hidrossociais cuja representação não são derivadas meramente de um sistema de possibilidade do conhecimento, seja por relações de ordem causal, normativa ou histórica, mas são representações que podem ser ditas, por meio da problematização à respeito de como são constituídas em relação ao regime de verdade que as sustentam no processo de formação do espaço metropolitano de São Paulo pelas infraestruturas hídricas. Propõe-se uma analítica das relações hidrossociais que consiste em problematizar a formação do conceito de risco de morte pelos fluxos das águas, poder e infraestrutura, como condição de existência deste discurso sobre os governos das águas que, a um só tempo, emerge da positividade da prestação deficitária e precária dos SAAES nos ciclos hidrossociais da urbanização e da metropolização de São Paulo e regula a racionalidade (a lógica) das associações entre múltiplos objetos, enunciados, conceitos e estratégias que estão inscritas nas práticas discursivas e não-discursivas dos governos das águas. A metodologia parti do corpus do arquivo formado pelos relatórios, planos e projetos de engenharia, para situar os indicadores deficitários de acesso aos SAAES no centro da análise, uma vez que, por exemplo, entre as décadas de 1930 e 1960, houve um forte crescimento de 20% para 50% da população sob o risco de morrer na Grande São Paulo pela ausência de acesso aos SAAES. Num trágico descompasso entre demanda e oferta dos SAAES, os governos das águas foram constituídos segundo a estratégia de busca de mananciais cada vez mais distantes, como uma forma de definir a condução de condutas, orientadas pelo regime de verdade de que “São Paulo não pode parar”, para viabilizar as economias políticas de agroexportação do café e de industrialização de substituição de importações. Principais resultados alcançados: a narrativa desta tese se constitui em si mesma como o principal resultado, porque visa problematizar a maneira pela qual as práticas discursivas são constituídas e constituintes dos mecanismos de poder, de saber e de subjetivação, de acordo com os regimes de verdade de uma sociedade liberal conservadora. Com efeito, é possível relativizar que as grandes transformações pelas quais passaram o acesso à água como não sendo tão grandes assim, porque a formação do espaço da Grande São Paulo, como centro fornecedor para as demais regiões do país, resultou em uma governamentalidade cuja biopolítica esteve mais baseada em deixar morrer do que em fazer viver.