A instabilidade de categorias na análise feminista: situando gênero e identidade
Em Problemas de Gênero, Judith Butler rejeita uma distinção que se tornou central na teoria
feminista, a partir de O Segundo Sexo de Simone de Beauvoir: a distinção entre gênero e sexo;
o gênero correspondendo a algo culturalmente construído, em oposição ao sexo, concebido
como biologicamente dado. Para a autora, essa distinção mantém um injustificado binarismo
entre os gêneros, pois, se sexo e gênero são categorias distintas, então o gênero feminino
poderia vir de um corpo masculino e vice-versa. Uma vez que não se nasce mulher, mas se
torna, o sexo não causa o gênero, abrindo antes uma possibilidade de significados. A defesa
dessa posição pode implicar pelo menos duas consequências: a primeira, trata do abandono das
categorias de análise binárias de gênero (masculino/feminino), cujas bases remontariam à
mesma estrutura opressiva que o feminismo se propõe a combater; a segunda, consiste na
negação de um sujeito para o feminismo, na medida em que Butler nega a existência de
características compartilhadas entre as mulheres, colocando em questão interesses
compartilhados que possam motivá-las a agir juntas coletivamente. Ao permitir uma
desconstrução da categoria binária de gênero, a teoria de Butler parece rejeitar a existência de
um sujeito político para o feminismo, o que coloca em questão seu próprio potencial
emancipatório. Tendo essas questões em vista, essa pesquisa de mestrado visa analisar
Problemas de Gênero e outros textos de Butler do período, com o objetivo de compreender até
que ponto é possível abrir mão da categoria de mulher sem, com isso, abrir mão do potencial
emancipatório do feminismo em sua dimensão política.