Consciência histórica, hermenêutica e crítica da ideologia: um estudo sobre o debate Habermas-Gadamer
Esta dissertação busca reconstruir o debate Habermas-Gadamer tendo por fio condutor a noção hermenêutica de consciência histórica. Partindo de uma sugestão de Habermas, mostraremos como a consciência histórica gadameriana tem uma intenção crítica, em dois sentidos: por um lado, ela refere-se a uma autocrítica do sujeito da interpretação, pela qual ele aprende a historicizar suas concepções prévias, rompendo com a autocompreensão objetivista do processo de conhecimento; por outro, ela refere-se à capacidade que todo intérprete, ao refletir sobre a tradição em que se insere, tem de revisar criticamente os esquemas herdados e modificá-los com vistas a interesses práticos contemporâneos. A partir daí, retomaremos o interesse de Habermas pela hermenêutica, focando no combate contra o positivismo e em sua teoria dos interesses do conhecimento. Veremos como, para Habermas, embora Dilthey seja uma figura central para a consolidação do interesse prático do conhecimento, ele permaneceu todavia atrelado ao positivismo, de forma que é apenas em Gadamer que encontramos o aprofundamento de uma autorreflexão crítica. Isto posto, passaremos às críticas de Habermas: para este, apesar de suas vantagens, Gadamer absolutizou a historicidade e a dependência do conhecimento a contextos, pondo em risco seus próprio ganhos críticos. Daí que Habermas busque conduzir o interesse crítico da hermenêutica para além dela, estabelecendo limites para a noção hermenêutica de consciência histórica. Essa passagem se dá em dois momentos: por um lado, Habermas quer ampliar a consciência do presente na forma de uma sociologia da atualidade capaz de dar conta do nexo entre tradição, dominação e trabalho; por outro, é necessário legitimar uma reconstrução racional da competência comunicativa, que explicitaria a racionalidade inerente à comunicação e que não é puramente dependente de um contexto histórico. Esse seria o programa geral de uma passagem da hermenêutica à crítica da ideologia, que busca ser uma crítica sistemática da tradição. Passagem problemática, porém, pois veremos, com Gadamer, que a proposta de uma reconstrução teórica da linguagem corre o risco de certo objetivismo e, no limite, de ideologia: se ela se furta à reflexão histórica, ela já pode ser um pressuposto dogmático e aistórico usado para criticar comunicações “distorcidas”. É nessa linha que Gadamer cobrará uma reflexão hermenêutica sobre a crítica da ideologia que a re-situalize. Essa volta a Gadamer nos permitirá defender, nas “Considerações finais”, a posição de que o interesse do debate está justamente nos constantes pontos de tensão entre ambos autores, e não na opção por um outro, preferindo portanto mantê-los naquilo que Bernstein chamará de uma “constelação tensa”.