Heidegger e o problema da animalidade: a tensão da fenomenologia hermenêutica com a circunscrição da vida
Nesta dissertação discuto e mapeio o panorama compreensivo do animal como representante do modo de ser da vida no interior da filosofia de Martin Heidegger durante a década de 1920 do ponto de vista de seu método. Para fazer isso, recorro a uma perspectiva originada dos Estudos Animais como forma de situar a temática e suas questões mais pertinentes, particularmente no que tange a relacionalidade entre o humano e o animal. Embora usualmente o tema seja remetido ao curso de 1929/1930 – Os Conceitos Fundamentais da Metafísica – devido ao seu aprofundamento temático, provou-se oportuno seguir e radicalizar a indicação de Diana Aurenque de uma análise e enquadramento das questões prévias à preleção. Nesse sentido, o trabalho foi dividido em duas partes a fim de acompanhar o desenvolvimento metodológico do autor e, por meio dele, ganhar um fio condutor adequado para a análise da preleção. Nos primeiros dois capítulos, elaboro o procedimento utilizado pelo autor sob o nome da fenomenologia hermenêutica e sua aplicação para o caso do animal através de uma recuperação e comparação com os tratamentos análogos em duas de suas principais influências, Edmund Husserl e Wilhelm Dilthey. O resultado dessa primeira parte é a constatação de um pressuposto metodológico de transparência de si cuja transposição para o caso dos animais e do modo de ser da vida incorre em uma série de dificuldades que resultam da colisão com outros pressupostos da ontologia fundamental, em especial a noção de que o humano – indicado formalmente como Dasein – é o ente assinalado em relação a todos os outros. Isso permite a conquista de uma chave de leitura para a ameaça que o modo de ser do animal representa, em termos compreensivos, para a circunscrição do humano. A segunda parte se aproveita disso para ler a preleção de 1929/30 e meditar sobre o papel do animal no interior da comparação entre pedra, animal e humano e suas condições de acesso e descrição. Os capítulos que compõem esta parte apresentam análises mais detidas sobre as dificuldades e problemáticas propondo, por vezes, um estilo de escrita ensaístico. No terceiro capítulo procuro fazer um esboço e destacar o lugar central que o animal tem na argumentação do autor, enfatizando particularmente as dificuldades incorridas com a interpretação privativa e o fechamento do horizonte relacional entre humano e animal. No quarto capítulo avalio o giro etológico do autor para descrever os entes vivos através de um apoio das elaborações científicas e de que forma isso traz um paralelismo com o conceito de selvagem. No último capítulo trato a radicalização da leitura aristotélica do autor e de que forma isso conduz para uma elaboração da agência a partir de critérios "espirituais" e submete, assim, os animais à impossibilidade de agir.