Tramas e nós nos sertões das Gerais - identidades no sertão roseano face às dinâmicas territoriais recentes
A tese tem como objetivo analisar as transformações dos elementos identitários que compõem a paisagem sertaneja, em diálogo com a literatura de João Guimarães Rosa, especialmente a obra Grande Sertão: Veredas (GS:V), e com as dinâmicas territoriais recentes observadas no município de Chapada Gaúcha (MG). Parte-se do entendimento de que o sertão roseano constitui um testemunho literário dos modos de vida, dos tipos sociais e das relações simbólicas que conformaram a memória coletiva sertaneja, ao mesmo tempo em que oferece categorias analíticas para compreender mudanças contemporâneas. Os objetivos específicos abarcam: constatar os elementos identitários da paisagem presentes em GS:V e confrontá-los com os evidenciados nas comunidades pesquisadas; analisar, no território escolhido, as dinâmicas recentes, seus conflitos socioeconômicos, sua espacialização e impactos sobre a paisagem; destacar agentes sociais vinculados a essas dinâmicas e compreender a atuação destes no território. A hipótese afirma que, a partir das mudanças nas dinâmicas territoriais contemporâneas, há profunda reconfiguração da paisagem e das relações sociais, refletida na transformação dos elementos identitários locais, que se distanciam daqueles apontados na obra de GS:V sem, contudo, contradizê-la. Antes, reatualizam-na ao reforçar contradições já apresentadas entre um suposto embate arcaico/moderno. A investigação se apoia nos conceitos de fronteira, paisagem e identidade, que permitem problematizar as transições socioespaciais e os hibridismos identitários gerados pela diversificação de atores sociais, pela expansão do agronegócio, pela criação de áreas de conservação ambiental e por fenômenos contemporâneos como mercantilização ambiental, multiterritorialidade e desterritorialização. O diálogo entre literatura e território possibilita questionar quais são as implicações dessas dinâmicas sobre povos e comunidades tradicionais — como geraizeiros, veredeiros, quilombolas e agricultores familiares — e como impactam a configuração da paisagem sertaneja. A metodologia combina análise bibliográfica e documental, análise da obra roseana e de seus críticos, levantamento de dados estatísticos e cartográficos, além de trabalho de campo, que envolveu entrevistas semiestruturadas com diferentes agentes sociais e participação em eventos da região. Essa triangulação permitiu confrontar discursos e registros oficiais com práticas sociais e percepções de grupos envolvidos nos processos de transformação territorial. Os resultados evidenciam que a intensificação da agricultura comercial, a urbanização incipiente, o turismo ambiental e literário, e a implantação de grandes empreendimentos energéticos estão reconfigurando a paisagem e os elementos identitários locais. A convivência entre populações tradicionais e agentes externos ao território geram hibridismos identitários e conflitos simbólicos, expressos tanto na disputa por recursos naturais quanto na valorização desigual de modos de vida. Enquanto migrantes sulistas, presentes desde a década de 1970, desfrutam de maior acesso a oportunidades econômicas e prestígio social, comunidades tradicionais enfrentam exclusão, desterritorialização e perda de referências culturais. Nesse contexto, a literatura roseana se revela chave interpretativa para compreender permanências e mutações identitárias do sertão, permitindo revelar contradições estruturais e desestabilizar leituras simplistas entre arcaico e moderno. A interação entre representações literárias e dinâmicas territoriais demonstra que o sertão não desaparece, mas se reinventa em disputas de memória, pertencimento e modos de habitar e viver, oferecendo subsídios para políticas socioculturais e estratégias de valorização das comunidades locais diante das transformações contemporâneas.