Os fins da Natureza: cosmopolítica, ciência e justiça em Donna Haraway
O Antropoceno refere-se formalmente à hipótese científica de que uma nova época geológica haveria sucedido o Holoceno. No entanto, o termo parece ter ganho uma vida autônoma nas ciências sociais e nas Humanidades enquanto um modo de enquadrar transformações ecológicas e temporais, com reverberações políticas e onto-epistêmicas. Donna Haraway é uma filósofa que antecipou em textos fundamentais modificações na relação entre natureza e cultura, ciência e ética, linguagem e mundo que reaparecem hoje nas análises do Antropoceno feitas por filósofos e cientistas sociais. Nesta dissertação, propomos um retorno a textos de Haraway produzidos entre o final da década de oitenta e meados dos anos 90 para pensar desafios relativos à ciência e à justiça que emergem no Antropoceno. Essas questões são hoje colocadas em termos das escalas de visualização científica e das escalas da justiça para uma época em que os arranjos políticos da modernidade começam a ser desestabilizados pela questão do não-humano e da atribuição da responsabilidade diante das crises do contemporâneo e da catástrofe climática. Traçamos diálogos entre Haraway e uma série de autores com os quais ela busca conversar em seus textos para pensar esse rearranjo de escalas, arenas políticas e de modos de imaginar agências não-humanas através de histórias da Terra como Gaia, o Capitaloceno e o Plantationoceno. Defendemos que o atual período histórico de constante violência, ameaça de desintegração política e redução de possibilidades de ação pode ser repensado, a partir da obra de Haraway, como oportunidade de reimaginar uma justiça multiespécie e uma promessa de regeneração para humanos e não-humanos por meio de uma transformação de nossos modos de ver e das práticas de produção de sentido que envolvem ciência, linguagem e pensamento.