Deixa sangrar: Walter Benjamin e o dilaceramento corporal no cinema marginal brasileiro
Esta dissertação propõe analisar a representação do corpo dilacerado nos filmes Hitler IIIº Mundo (1968) de José Agrippino e Orgia ou o homem que deu cria (1970) de João Silvério Trevisan. A análise será subsidiada pela filosofia de Walter Benjamin, especificamente nas obras Origem do drama barroco alemão (1916-1925) e A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica (1934-35). No livro sobre o barroco, a vida humana e sua inevitável degradação ficam evidentes no protagonismo assumido pela alegoria do corpo morto. Essa alegoria busca estabelecer nexos entre a relação do governante com seus súditos num estado de exceção, no qual o soberano assoma como um implacável produtor de cadáveres. Já no ensaio sobre a obra de arte, Benjamin desenvolve com mais propriedade as relações entre estética e política. Sendo assim, o corpo dilacerado, ao ser exibido em períodos de grandes ditaduras, tal como no barroco e na Alemanha hitlerista, parece ser a peça central na construção de filmes, em que o excesso formal parece ser a única linguagem apta a expressar tal estado de exceção. Ambos os filmes apresentam com destaque o corpo destruído, tão presente no ciclo do chamado Cinema Marginal (1968-1973). No entanto, cada película apresenta um enfoque diferente sobre tal fragmentação corporal. Em Orgia, a trupe de excluídos que migra do campo para a cidade parece significar um corpo que sofre a história em todo o seu fracasso e decadência. Em Hitler, por seu turno, os corpos já vivem na cidade e são integrados à modernidade, na sociedade de consumo que tende a reduzir tudo e todos ao estatuto de mera coisa. Pergunta-se, portanto, sobre a amplitude e a significação do corpo dilacerado presente nesses filmes, para além da denúncia de uma situação política problemática – tanto no contexto histórico e político do drama barroco alemão revisto pela sensibilidade moderna da República de Weimar, quando no âmbito da ditadura civil militar na qual emerge o cinema marginal brasileiro.