Biometano de resíduos sólidos urbanos no Brasil: Insumos para a coerência regulatória entre as políticas nacionais de biocombustíveis e resíduos.
A produção de biometano no Brasil cresceu de maneira acentuada nos últimos anos, principalmente devido ao processamento de gás de aterro. Alguns dos principais argumentos em favor da utilização do biometano como biocombustível são o incremento da participação de combustíveis renováveis na matriz energética de transporte brasileira e a redução das emissões de gases de efeito estufa. Apesar de a produção atual estar fortemente ancorada em um recurso obtido a partir de atividades de manejo de resíduos sólidos urbanos (RSU), o setor de saneamento não tem conseguido incorporar os benefícios decorrentes de sua exploração para a melhoria das condições sanitárias do país. Ao promover a exploração energética do gás de aterro, a utilização do biometano como biocombustível aproxima os setores de energia, transporte e saneamento e, para além das dificuldades de financiamento, a dimensão regulatória é apontada como um importante condicionante ao seu pleno desenvolvimento. Nesse contexto, a presente pesquisa buscou investigar em que medida os arcabouços regulatórios dos setores de saneamento, energia e transportes brasileiros voltados à produção de biometano a partir do biogás obtido no setor de saneamento no Brasil são coerentes entre si e contribuem para a exploração energética qualificada desse recurso, garantindo que seus benefícios alcancem todos os setores envolvidos. Para isso, foi realizado o inventário e análise da regulamentação existente nesses setores, nos níveis federal e estadual, complementado com revisão de literatura e análise documental sobre o contexto em que as normas recuperadas foram formuladas. Adicionalmente, foram exploradas eventuais sinergias e conflitos existentes entre a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio) e a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) a partir de três projetos certificados pelo RenovaBio e de dados de um projeto piloto de digestão anaeróbica da fração orgânica de RSU (FORSU). Como resultado foram identificadas (in)coerências intra e inter-setoriais que suscitaram sugestões para o aperfeiçoamento das políticas públicas avaliadas, incluindo a determinação da obrigatoriedade da captação forçada de gás de aterro pela PNRS e a adequação do RenovaBio para inclusão da digestão anaeróbica da FORSU na rota de produção do biometano, a consideração dos vazamentos de metano em aterros sanitários pelo RenovaBio, e buscar a harmonização das políticas públicas entre os diferentes entes federativos, tendo como objetivo a descentralização e regionalização como forma de melhor explorar as potencialidades do recurso nas diferentes regiões do país. As sugestões propostas visam aprimorar a coerência do arcabouço regulatório pesquisado, potencializando os benefícios da produção de biometano para os setores de saneamento, energia e transportes, além de privilegiar o tratamento da FORSU e estimular a adoção de práticas mais adequadas para o tratamento dessa fração dos RSU.