A Via Boliviana: Um Projeto de Transição. Da Guerra da Água ao Golpe do Lítio
Esta tese tem como objetivo desenvolver aspectos da teoria da transição comunista a partir da experiência revolucionária boliviana que eclode no ano 2000, na chamada Guerra da Água. Instalou-se no país, democraticamente, através da luta política de um campo diverso de movimentos sociais organizados, um processo de transformações de cunho democrático e popular que resultou em significativas melhorias na estrutura socioeconômica nacional e promoveu importantes saltos emancipatórios para a construção de uma nação soberana. A hipótese que assumimos na pesquisa é a de que se iniciara no país um projeto de transição ao comunismo, fruto do acúmulo histórico de lutas pela descolonização e pelo resgate do sentido comum da revolução a partir das experiências pretéritas da civilização indígena anterior à conquista europeia, condensada no horizonte denominado vivir bien. A pesquisa se apresenta como uma contribuição teórica e foi desenvolvida através de pesquisa bibliográfica e análise documental, tendo suporte em pesquisa exploratória, direcionada a formular a partir da experiência concreta do país a perspectiva da via boliviana de transição comunista. A chegada de Evo Morales ao governo significou a reconfiguração desta sociedade segregada até então sob o domínio do elo colonizador. Sua força política se condensou ao redor de duas reinvindicações históricas dos movimentos sociais bolivianos: a nacionalização dos recursos naturais e a formulação de uma nova constituição. O proceso de cambio caminhou nesta seara e conquistou tais objetivos fundadores, instalando o que foi denominado de Estado Plurinacional e abrindo o caminho para o avançar de novas demandas sociais que muitas vezes se mostraram contraditórias, chegando ao limite nos eventos do Golpe de Estado de 2019, nos quais o tema a industrialização do lítio teve papel relevante. Os resultados da pesquisa demonstram que o chamado proceso de cambio se configura como sendo uma transição orientada ao horizonte civilizatório do vivir bien, a fórmula comunista dos povos originários radicalizados, significando um resgate da sua cosmovisão para promover uma sociedade para além do capital. Entretanto, este projeto de transição se determina por seu caráter prematuro, tendo em vista que o capitalismo boliviano foi historicamente determinado a cumprir uma função subalterna na divisão internacional do trabalho, sendo privado do controle e acesso às tecnologias dominantes, caracterizando-se por um atraso significativo no desenvolvimento das forças produtivas. Portanto, este processo prematuro só poderá realizar se como uma longa transição ao comunismo, permanentemente tensionando pela contrarrevolução das elites nacionais e pelos interesses externos das nações dominantes. Configurou-se, assim, um Estado constituído pela dinâmica dos movimentos sociais, fazendo com que o processo de mudança administre o máximo desenvolvimento possível das forças produtivas sob o capital, ressoando a revolução que controla o Estado, determinada a esgotar o tempo histórico do capital. Uma revolução radical e conservadora ao mesmo tempo.