Um militante na psiquiatria: Félix Guattari encontra a psicoterapia institucional
Félix Guattari (1930–1992) foi um intelectual cujo pensamento é inseparável dos encontros acontecidos em sua trajetória, dentre os quais se destaca aquele com Gilles Deleuze, com quem formou uma das duplas mais fecundas da história da filosofia. O encontro que este trabalho deseja abordar, contudo, é anterior e menos conhecido. Remontaremos à década de 1950 para olhar mais de perto para o momento em que Guattari, ainda um jovem estudante e militante em grupos da esquerda comunista francesa, encontra um mundo até então desconhecido, qual seja, o da psiquiatria e da psicose, mas não aquele velho mundo dos manicômios e dos pacientes amarrados e torturados – o qual infelizmente ainda hoje não foi completamente extinguido –, e sim um novo mundo inaugurado pela psicoterapia institucional no qual reina para todos a liberdade, a autonomia e o direito à palavra. Movimento inseparavelmente psiquiátrico e político, a psicoterapia institucional surge no sul da França ainda durante a Segunda Guerra Mundial como uma nova forma de organizar a instituição psiquiátrica contra a ocupação nazista, a fome, o frio e a lógica desumanizante dos sujeitos psicóticos. Desse percurso inicial, destacam-se o psiquiatra catalão François Tosquelles e o hospital de Saint-Alban, iniciadores dessa aventura revolucionária, cuja jornada será seguida de perto pelo também psiquiatra Jean Oury e a clínica de La Borde, onde Guattari se instalará na condição de um militante responsável por aprofundar politicamente o ambiente da instituição. Ao chamar a atenção para esse acontecimento um tanto negligenciado, pretendemos mostrar, por um lado, como a psicoterapia institucional apresenta a Guattari um meio experimental de outras relações sociais possíveis e, por outro, como ele lança a prática psiquiátrica definitivamente no campo das lutas políticas. Tomaremos ainda o conceito de transversalidade como o principal fruto desse encontro para o pensamento de Guattari ao propor corte diagonal que visa abrir espaço para o novo, fomentando uma circulação do desejo que interessa tanto à instituição psiquiátrica como aos grupos militantes.