Biopolítica e resistência: a experiência feminista do acompanhamento ao aborto na América Latina e Caribe
Diante do acesso restrito a procedimentos de aborto seguro na América Latina e Caribe, é notável a articulação de coletivos feministas em torno do acompanhamento à mulher que aborta, apoiada na popularização do aborto médico autoinduzido com mifepristona e misoprostol. Em diálogo com epistemologias feministas, buscamos responder à seguinte questão: o que possibilita que tais ativistas promovam uma atividade legalmente penalizada e moralmente condenada, apesar do risco inerente a toda prática ilícita? Partiremos deste ponto para iniciar uma genealogia do fenômeno social do acompanhamento enquanto ação coletiva que busca ressignificar a prática do aborto na região da América Latina e Caribe. Oferecemos duas hipóteses. A primeira é de que a prática do acompanhamento e contribui para uma estratégia de resistência comum no campo da biopolítica, capaz de enfrentar dinâmicas de opressão impostas pelos contextos de anátomo-política e de biopoder descritos em Michel Foucault (2014b, 2017). A segunda é de que a tática de enfrentamento adotada pelas acompanhantes dialogaria diretamente com a noção desenvolvida por bell hooks (2015) favorável à busca por um fortalecimento feminista coletivo como caminho para a libertação em oposição à atuação baseada na "vitimização universal das mulheres”. A fim de avançar nesta análise, propõe-se uma abordagem qualitativa, cujo recorte temporal vai de 2010 a 2017. O período compreende o surgimento dos primeiros coletivos de acompanhantes na região e culmina com as conversas iniciais para a formalização de uma Rede de Acompanhantes Latino-americana e Caribenha. A pesquisa incluirá uma análise documental, observação participante e entrevistas em profundidade com representantes de redes de acompanhamento distribuídas pelos países da região, tanto presencialmente como via teleconferência, a depender da disponibilidade.