ELAS SE CUIDAM: REDES DE CUIDADO E DE AFETO ENTRE AS MULHERES ANTES,
DURANTE E APÓS AS PRISÕES
Nesta dissertação, pretendemos propor uma conexão entre Cuidado,
Reprodução Social, Gênero e Sistema Prisional. Partimos do pressuposto
de que o Cuidado é feminizado, porque é exercido majoritariamente por
mulheres e por corpos femininos. Nossa hipótese é de que quem cuida das
mulheres presas são, na maior parte dos casos, outras mulheres, também
responsáveis pelos cuidados das suas casas, comunidades e pelo trabalho
de reprodução social. Objetivamos pesquisar como a feminização do
cuidado e a reprodução social da vida levam as mulheres a cuidar dos
outros. A análise de literatura que leva em consideração os marcadores
de gênero, sexualidade, raça e classe constatou que a maior parte das
mulheres encarceradas, além de ser mãe, jovem e negra, é pobre e não tem
companheiro/a, fatores que lhes dificultam o acesso ao cuidado de si, de
sua família e à própria sobrevivência. Problematizamos, portanto, o
cuidado vivenciado por essas mulheres, à luz de teorias feministas
críticas e estudos de gênero, recorrendo, sobretudo, a teorias
feministas do cuidado, à teoria da reprodução social, ao feminismo negro
e decolonial, utilizando, ainda, os conceitos foucaultianos de biopoder,
dispositivo disciplinar, dispositivo de sexualidade e de vigilância
(FOUCAUT, 1977; 1985; 1988). Para tanto, buscamos responder às seguintes
perguntas: como a feminização do cuidado e a reprodução social da vida
levam as mulheres presas a cuidar dos outros e não receber cuidados?
Como as mulheres experenciam o cuidado antes, durante e após a prisão? A
metodologia adotada foi qualitativa, através da pesquisa de campo,
acrescida da revisão bibliográfica, análise documental e de entrevistas
não estruturadas realizadas durante o campo. Os documentos analisados
foram relatórios sobre maternidade e sistema prisional produzidos pelo
Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC) e pelo Instituto de Defesa
do Direito de Defesa (IDDD), bem como dados de órgãos governamentais
oficiais, como o IBGE, CNJ, IPEA e INFOPEN. Nossas observações de campo,
feitas em 2022 e 2023, se guiaram, sobretudo, pela observação e
participação de ações desenvolvidas por três grupos de resistência
contra o sistema prisional: o coletivo Por Nós, formado por mulheres
egressas do sistema prisional em 2020; o grupo da Saidinha Temporária de
mulheres do regime semiaberto, coordenado por ativistas e sobreviventes
do sistema prisional, e ainda o Espaço Memória do Carandiru (EMC), cujo
objetivo é salvaguardar a memória dos ex-moradores da antiga Casa de
Detenção de São Paulo. A teoria de Hirata (2022) de que o cuidado é mais
exercido pelas mulheres do que pelos homens e de que no Brasil quem
cuida das pessoas é a sociedade civil organizada e Ongs, mais que o
próprio Estado, tende a se confirmar na nossa análise dos resultados.
Observamos, nas atividades dos citados grupos, que não há políticas
públicas suficientes para o cuidado das pessoas encarceradas no Brasil e
que esses movimentos são responsáveis por dar apoio e criar redes de
cuidado para as mulheres presas.