Símbolos do sangue: significações da menarca e menstruação segundo adolescentes
Envoltas em uma capa de naturalidade e individualidade as questões políticas, econômicas e sociais do menstruar ficam ocultas enquanto operam nos processos de subjetivação em um sistema binário de gênero. Para a Psicologia Sócio-Histórica, a formação da subjetividade ocorre na materialidade das relações e condições sociais práticas, constituindo sujeitos com particularidades ao mesmo tempo em que marcados pelas narrativas de sua época. A narrativa identificada como principal influenciadora para o imaginário corrente sobre menstruação é a médica, que atribui à menstruação características pejorativas e descreve o corpo de quem menstrua exclusivamente do ponto de vista reprodutivo, naturalizando a função social reprodutiva atribuída a quem menstrua e apagando identidades e corporalidades trans e não binárias. Tensionando as proposições de neutralidade e objetividade, a crítica feminista à ciência moderna apresenta estudos que contextualizam historicamente os cenários sociais de produção do conhecimento médico, destacando o foco androcêntrico e a naturalização do papel social atribuído a quem menstrua. Sobre a experiência menstrual na atualidade, a revisão preliminar de literatura mostra que, no Brasil, a menarca é vivida com medo, vergonha e desconhecimento, sendo associada à maturidade sexual. O acesso à informação é insuficiente, os atendimentos de saúde são insatisfatórios, o absenteísmo escolar é elevado e as consequências para a autoestima são pouco exploradas. Diante desse cenário, os objetivos desta dissertação são apreender elementos da dimensão subjetiva da menstruação (as significações que adolescentes têm sobre a menstruação) e tecer reflexões sobre a dimensão subjetiva da desigualdade de gênero expressa na vivência menstrual. Somando a estudos recentes que propiciam condições para expressão de pessoas que menstruam sobre suas experiências, optei por metodologia qualitativa, em que o foco é a construção de significados por parte dos sujeitos, suas vidas e como as percebem. Acompanhei oficinas de educação menstrual desenvolvidas pelo projeto Fluxo Sustentável por iniciativa civil em regiões periféricas da cidade de Santo André. A análise preliminar do material indica que a invisibilização da menstruação marca a dimensão social da vivência menstrual e parece servir aos interesses capitalistas de exploração dos trabalhos reprodutivos e de cuidado. Na dimensão subjetiva, sentimentos de autodepreciação, estresse, medo e vergonha emergem; a formação de identidade de maneira binária é estimulada com base no uso acrítico de discursos biologicistas.