MULHERES INFRATORAS: INSANIDADE E PERICULOSIDADE NO JUDICIÁRIO DE SÃO PAULO
Esta tese buscou analisar o papel de mulheres com problemas mentais que cometeram um crime e sua representação durante o processo penal a partir dos discursos dos atores jurisdicionais. Em um contexto de fechamento dos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTPs), a mulher infratora com problemas mentais enfrenta diversas dificuldades, antes mesmo de seu julgamento, pois além de ficar presa preventivamente em condições que não favorece seu tratamento, experimenta um processo de agravamento de sua doença que não raro contribui ainda mais para prejudicar seu julgamento. Nesse aspecto, o principal problema do trabalho foi investigar nos processos penais o desenvolvimento da trajetória de mulheres diagnosticadas com transtornos mentais que cometeram infração penal visando compreender como o diagnóstico contribuiu para o desfecho final do julgamento e continuou a influenciar significativamente o cumprimento da medida de segurança do internação que elas receberam. A alegação de doença mental, que em tese afastaria a culpa da mulher que cometeu o crime, na prática, a coloca em posição muito mais danosa do que uma presa comum, uma vez que as condicionantes impostas ao cumprimento da medida de segurança da internação, além de facilitar a exclusão social delas desde o início do processo, ainda fundamenta seu sequestro por tempo indeterminado. Diante disso, procurei verificar as diversas contradições presentes nos discursos que sustentam a permanência da medida de segurança da internação enquanto tratamento, uma vez que o principal argumento para a manutenção dessas mulheres nos HCTPs tem sido a associação entre a noção de periculosidade e seus problemas mentais, exigindo do psiquiatra uma prospecção futura quanto à possibilidade de elas voltarem a delinquir posteriormente. A pesquisa teve como base empírica nove processos penais do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) nos quais se verificou evidências de que a forma como a periculosidade é atribuída a essas mulheres passa a influenciar toda sua trajetória no curso do processo penal, ofuscando outras circunstâncias que poderiam contribuir para a defesa delas como, por exemplo, a violência que elas sofreram ao longo de suas vidas.Verifiquei que a partir do diagnóstico dos problemas mentais, o julgamento dessas mulheres passou a ser orientado por uma presunção de risco futuro, o que não passa de uma ficção dada a impossibilidade que a psiquiatria tem para prever qualquer forma de reincidência. A análise dos processos foi realizada a partir de três perspectivas: a instrumentalização da psiquiatria pelo Judiciário, a construção da periculosidade da mulher com problemas mentais pelos atores jurisdicionais e as condições sociais que influenciaram o papel dessas mulheres no processo.