O acesso à saúde bucal como mecanismo de cidadania: um estudo a partir do programa Brasil Sorridente
A Constituição Federal prevê, em seu artigo 196, que a saúde é direito de todos e dever do Estado. O mesmo dispositivo também preconiza que políticas sociais e econômicas devem promover acesso universal e igualitário a ações e serviços para a sua promoção e recuperação. Apesar da clareza do mandamento constitucional, em vigor desde 1988, até o fim do século 20, pouco se fez pela saúde bucal dos brasileiros.
O atendimento odontológico, considerado um setor não prioritário de atendimento à saúde e um verdadeiro privilégio para poucos, foi até 2003 relegado a ações públicas pontuais e pouco efetivas. Em 2003, o país tinha 30 milhões de pessoas com falta de dentes, dentre as quais 8 milhões necessitariam de uma prótese completa. Trata-se de uma verdadeira pátria de desdentados, condição dramática que, para além de números em abstrato, na condição de cirurgiã-dentista que presta serviço para sindicatos de trabalhadores, constato em rostos concretos daqueles que atendo diariamente. Neste mesmo ano de 2003 foi lançado o programa Brasil Sorridente, no marco de políticas de combate à fome inauguradas pelo governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva. Entendeu-se que não bastava dar comida aos brasileiros – era necessário dar também condições de que esses mastigassem.
É nesse contexto que esta pesquisa se insere, propondo a investigação das características desta política pública original de atenção à saúde, a perquirir sobre seus impactos no nível macro mas também no nível individual e, por fim, a apontar a situação atual do programa bem como sugerir seus limites e outras possibilidades de desenvolvimento.
O título do presente trabalho atualmente está definido como “O acesso à saúde bucal como mecanismo de cidadania: um estudo a partir do programa Brasil Sorridente”. E propõe-se, como problema de pesquisa, endereçar a seguinte questão: “quais as especificidades em termos de políticas públicas do programa Brasil Sorridente e em que medida ele representou um impacto na vida dos brasileiros?”
Como objetivo geral da pesquisa definiu-se o de verificar a relação entre a saúde bucal dos brasileiros e as políticas públicas, investigando especialmente a situação de perda dentária e outras situações associadas dos atendidos pelo programa Brasil Sorridente. E, como objetivos específicos: investigar a efetividade do acesso ao tratamento odontológico na atenção básica através de entrevistas aos usuários e dentistas; descobrir efeitos do atendimento em relação à expectativa e realidade dos usuários; verificar o quanto o atendimento dentro do marco do programa Brasil Sorridente contribui para devolver funções fonéticas, estéticas e funcionais aos usuários; e, por fim, contribuir para reflexões sobre o tema para um possível aprimoramento das práticas proposta.
Elaborou-se, também, duas hipóteses, como achados da pesquisa que se vislumbram: primeiro, que os impactos dos usuários do SUS atendidos pelo programa Brasil Sorridente são de ordem física e emocional; e, segundo que, apesar do aumento do número de unidades de atendimento odontológico no SUS a partir do programa Brasil Sorridente, o atendimento ainda não é nem suficiente para atender a demanda por estes serviços nem é eficiente em termos de evitar a perda dentária nem em reabilitar a saúde bucal dos usuários como poderia ser caso houvesse mais investimentos.
É com o objetivo de desenvolver essa pesquisa acima apresentada que se elabora este trabalho. O conteúdo do material ora apresentado, elaborado para fins de qualificação da dissertação de mestrado que está sendo desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Ciências Humanas e Sociais (PCHS-UFABC), é composto de quatro seções: a primeira, consistente nesta apresentação, contextualiza o tema e apresenta a intenção da pesquisa; a segunda, apresenta a estrutura da dissertação; a terceira traz o primeiro capítulo desenvolvido; e a quarta e última tece breves considerações sobre os capítulos seguintes.