Trabalho reprodutivo e reprodução social no Brasil: Ausências e insuficiências no enfrentamento à pandemia e suas implicações para as relações de gênero, raça e classe
Esta dissertação tem como objetivo analisar as ausências ou insuficiências governamentais no enfrentamento à pandemia da COVID-19 e seus efeitos para as mulheres, partindo do ponto de vista da reprodução social e tendo como pano de fundo o histórico do Programa Bolsa Família. O aporte teórico-metodológico utilizado foi a Teoria da Reprodução Social. Três conceitoschaves são mobilizados nessa dissertação: trabalho reprodutivo, classe trabalhadora e reprodução social. A partir da discussão sobre o capitalismo como sistema unitário, em que racismo, opressão às mulheres e a estrutura de classes são partes indissociáveis do sistema, pôsse em evidência a base material da aparente separação entre as esferas pública e privada, a qual culmina na designação das atividades reprodutivas às mulheres. Dessa forma, a reprodução social, entendida como a reprodução da classe trabalhadora num sentido alargado, tem seus processos desestabilizados pela dinâmica de acumulação capitalista, ainda que a sustente. Dada a complexa articulação entre classe, raça e gênero, o trabalho analisa a titularidade feminina do Programa Bolsa Família sob essa perspectiva, investigando o tempo dedicado às atividades reprodutivas por beneficiários e não beneficiários do programa, observando os contornos que gênero e raça produzem nessa dinâmica. Para esta etapa da pesquisa, foram coletados dados da PNAD Contínua 2019. Tal investigação observou que mulheres beneficiárias despendem mais tempo em trabalho reprodutivo do que todos os outros grupos, em especial quando cuidam de crianças com até 5 anos. Com a chegada da pandemia de COVID-19, deu-se início a uma sequência de decisões políticas com efeitos desfavoráveis para a classe trabalhadora, e, em especial, para as mulheres e para a população negra, sendo a expressão máxima desse processo a revogação do Bolsa Família e sua substituição pelo Auxílio Brasil – benefício, até então, de caráter temporário. Assim, o trabalho observou que as consequências da pandemia e da má condução política dos instrumentos de controle da crise significaram retrocessos importantes para as mulheres da classe trabalhadora, com enrijecimento dos papéis sociais que designam a elas as tarefas reprodutivas, empobrecimento, saída do mercado de trabalho e informalidade, além do aumento do custo da reprodução da vida.