“E A MINHA VIDA FOI ASSIM: FEBEM, TIRO E PRISÃO”
Continuidades e rupturas em trajetórias de vida de meninas e mulheres punidas pelo Estado
Este trabalho investiga as continuidades e rupturas acerca do processo de sujeição criminal de meninas e mulheres punidas pelo Estado a partir de suas trajetórias de vida. A pesquisa buscou articular a perspectiva de gênero ao processo de sujeição criminal, tal como formulado por Misse (2010), de forma a compreender as possibilidades e limitações do conceito quando analisado à luz da participação feminina nas dinâmicas criminais e das vivências em unidades punitivas. Por meio de trajetórias de meninas que cumpriram medidas socioeducativa de internação, mulheres que passaram pelos sistemas socioeducativo e prisional e mulheres que passaram exclusivamente pelo sistema prisional, buscou-se problematizar a conformação de continuidades e rupturas em carreiras criminais. De modo a articular distintas categorias e áreas do conhecimento, a pesquisa concentra seu embasamento teórico em estudos que discorreram sobre como o gênero estrutura a punição, dinâmicas criminais em São Paulo, mecanismos de controle e punição sobre corpos femininos e o processo de estigmatização vivido pelas egressas desses sistemas. Para tanto, foram realizadas 39 entrevistas, sendo 16 delas com meninas do sistema socioeducativo e 13 com mulheres egressas do sistema prisional de São Paulo. Entre os principais resultados, pode-se observar as atividades criminais se estabelecem para uma parcela de meninas e mulheres como um mecanismo que lhes permite sair da invisibilidade, tornando-as sujeitas visíveis. Observou-se, em meninas e mulheres, que a maior parte possui experiência no tráfico de drogas e enxerga nele possibilidades de ganhos financeiros e conquistas pessoais -- sem que isso as relacione diretamente ao crime. Essa parcela é representada pelas sujeitas ambiciosas, que vem na possibilidade de crescimento, autonomia e lucro o maior atrativo. Por fim, a última dimensão percebida foi a de sujeitas envolvidíssimas, o grupo de mulheres que relata sentir maior poder quanto mais se envolve nas atividades. O trabalho identificou nas trajetórias pontos de inflexão, ou seja, momentos ou marcos que interrompem o ciclo de entradas e saídas de unidades, como violência exacerbada, maternidade, rearranjo de vínculos dentro e fora da prisão e a conexão com a religiosidade. Por fim, tentou-se construir uma categoria de sujeição mais apropriada às mulheres para que se possa compreender como se conformam as carreiras criminais femininas.