THINK TANKS E POLÍTICAS PÚBLICAS:
O CASO DA REPÓRTER BRASIL NO COMBATE À ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA
De origem norte-americana, os think tanks são instituições que se dedicam a produzir conhecimento especializado sobre variados temas de interesse público, a fim de influenciar a agenda política e a opinião coletiva. Nesse sentido, como se poderá constatar, a escolha da Repórter Brasil como objeto de estudo não se deu de forma aleatória. No decorrer das duas últimas décadas, este think tank tem atuado como um dos principais defensores do combate ao Trabalho Escravo Contemporâneo (TEC). Além de ter promovido mudanças substanciais nas políticas públicas de enfrentamento, as constatações empíricas apontadas pela Repórter Brasil acerca das continuidades históricas do escravismo no Brasil, também vêm sendo corroboradas pelas evidências teóricas apresentadas por Brito Filho (2014), Figueira (2015) e Miraglia (2018). Para compreensão do TEC, portanto, se faz necessário considerar todos os atravessamentos interseccionais que conduzem trabalhadores, fragilizados pela miserabilidade e carência de oportunidades, a serem “escravos da precisão”, referenciando o termo cunhado por Flávia Moura (2009). Embora os think tanks sejam apresentados como instituições influentes no campo das políticas públicas, pode-se dizer que os estudos sobre as contribuições desses atores, em especial no contexto brasileiro, ainda permanecem pouco exploradas. Desse modo, a fim de contribuir para a compreensão dos processos sociais que confluíram no desenvolvimento do II Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (PNETE), bem como, expor a forma como tais instituições influenciam e modelam, em alguma medida, a ação dos atores políticos com base em sua expertise, o presente estudo tem como objetivo compreender como a Repórter Brasil conduziu a inserção do Programa “Escravo, Nem Pensar!” no II PNETE, tomando como dimensão de análise as estratégias de atuação encampadas pelo think tank Repórter Brasil à luz do modelo dos múltiplos fluxos de John Kingdon (2014). Já os objetivos específicos estão traduzidos em: (1) caracterizar os termos do debate sobre o surgimento e disseminação dos think tanks, com foco na conjuntura brasileira, com vistas a explicitar as principais características e formas de atuação que os posiciona como atores centrais no processo decisório; (2) contextualizar os antecedentes históricos do TEC no Brasil; (3) descrever o processo político-institucional anterior à vigência do II PNETE, em 2008; e (4) analisar, a partir das evidências teóricas e empíricas, as estratégias de atuação utilizadas pela Repórter Brasil para inserir o programa “Escravo, Nem Pensar!” no II PNETE. Do exposto, sustenta-se a hipótese de que tal processo foi facilitado pela expertise acumulada que a Repórter Brasil possui na temática da escravidão contemporânea de modo que, em razão do seu conhecimento especializado, este TT pôde estreitar relações com os policy makers e, assim, fez com que o seu Programa fosse alçado à condição de modelo preventivo de abrangência nacional pelo Estado. Portanto, a Repórter Brasil aproveitou a ‘janela de oportunidade’ propiciada pela convergência entre os fluxos dos problemas, soluções e político, agindo como empreendedora de políticas, e não apenas como disseminadora de informações, fato que reafirmou a sua posição enquanto think tank. O aporte metodológico utilizado concentra-se na abordagem qualitativa, a partir do estudo de caso único.