Maternidades atípicas e propósitos de vida para além do cuidar: um estudo autoetnográfico e interseccional
Desde a assinatura de importantes documentos internacionais a partir da década de 1990, muito tem se discutido a respeito das possibilidades e dos desafios da inclusão da pessoa com deficiência em todos os âmbitos do direito social, visando garantir cidadania e qualidade de vida do público-alvo. No Brasil, para todos os efeitos legais, o Transtorno do Espectro Autista é considerado uma deficiência. Mas, segundo o DSM-5, é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado pelo prejuízo persistente na comunicação social recíproca e na interação social, presença de padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades. Trata-se de uma condição permanente que requer intervenção multidisciplinar na área da Saúde, escola regular inclusiva na área de Educação e adaptações da sociedade como um todo por meio de Políticas Públicas direcionadas à inclusão. Considerando a Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 e demais documentos nacionais em consonância com o movimento global em torno da garantia de Direitos Humanos, destacam-se a lei nº 12.764, de 2012, que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista e a lei nº 13.146, de 2015, que instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). No entanto, apesar de importantes avanços na legislação efetivados nos governos Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inacio Lula da Silva e Dilma Rousseff, a parcela da população brasileira de pessoas com deficiência ainda enfrenta inúmeros desafios nas diferentes esferas da sociedade. Atadas às dificuldades enfrentadas por essas pessoas, estão suas famílias, principalmente as mães, que acabam também vivenciando uma importante situação de desvantagem e vulnerabilidade devido ao confronto com diferentes barreiras de acessibilidade, desigualdade de oportunidades e injustiça social. Geralmente são as mulheres que mudam seus rumos profissionais, suas rotinas diárias, adiam sonhos ou definitivamente os abandonam para que o bem-estar de seus filhos prevaleçam e alguma chance de propósitos de vida para eles se vislumbre, mesmo que para isso, haja na maior parte das vezes uma grande dose de abdicação de projetos anteriores, adaptação, reconstrução e ressignificação de planos futuros por parte delas. Diante desse cenário, esta pesquisa qualitativa, de natureza aplicada, exploratória e descritiva, se baseia na pesquisa narrativa, nas autoetnografia e netnografia, cujas participantes serão mães de jovens autistas entre 10 e 24 anos. Tem como objetivo geral investigar as possibilidades dessas mulheres para elaborarem e efetivarem propósitos de vida com significado e que incluam os cuidados com seus filhos atípicos/ suas filhas atípicas, mas que ultrapasse os limites frequentemente impostos por essa função. Portanto, é assumido que se trata de um propósito conjunto que entrelaça mãe e filhos/as atípicos(as), devendo ser observado a partir de uma abordagem interseccional, considerando os diferentes marcadores sociais envolvidos, gênero, etnia/raça, classe social e deficiência como variáveis que influenciariam a acessibilidade às oportunidades, marcando as desvantagens em que essa categoria se encontra do ponto de vista social e econômico e que muitas vezes inviabiliza projetos de vida tanto para quem cuida quanto para quem é cuidado.