Investigação dos efeitos do ácido isovalérico sobre a viabilidade metabólica e a bioenergética em células da linhagem de neuroblastomas humanos SH-SY5Y
A acidemia isovalérica (IVAcidemia) é uma das acidemias orgânicas mais prevalentes no mundo. Etiologicamente, a IVAcidemia é causada por mutações na enzima isovaleril-CoA desidrogenase (IVD) e, como consequência, os pacientes apresentam massivo acúmulo do ácido isovalérico (IVA) em seus fluidos e tecidos corporais. Sabe-se que indivíduos com IVAcidemia que passam por eventos neonatais de descompensação metabólica podem apresentar prejuízos neurológicos irreversíveis. Neste sentido, o objetivo deste trabalho foi avaliar os potenciais efeitos deletérios do IVA em uma linhagem de células neuronais, através da determinação de diversos parâmetros bioquímicos. Para tanto, neuroblastomas humanos não-diferenciados da linhagem SH-SY5Y foram expostos, por diferentes períodos, a diferentes concentrações de IVA (1 mM, 2,5 mM, 5 mM ou 10 mM). Os resultados demonstraram que o IVA diminui significativamente a viabilidade celular, determinada pelos ensaios de redução do corante resazurina e de captação do corante vermelho neutro. Surpreendentemente, demonstrou-se que células expostas ao IVA por 24 e 48 h sofrem um aumento na taxa de consumo de oxigênio em todos parâmetros avaliados: respiração basal, respiração ligada à síntese de ATP, vazamento de prótons e respiração máxima. Numa tentativa de investigar os eventos relacionados a este aumento paradoxal, verificou-se que IVA não alterou significativamente a atividade dos complexos mitocondriais II, II-III e IV, nem da enzima citrato sintase. Além disso, observou-se que o fornecimento de piruvato como substrato energético extra às células não foi capaz de reverter o aumento nos parâmetros respiratórios causados pela exposição das células ao IVA. Verificou-se também que a dorsomorfina, um inibidor da proteína quinase ativada por AMP (AMPK) foi capaz de prevenir completamente o aumento dos parâmetros respiratórios causados pelo IVA, sem modificar, no entanto, seus efeitos deletérios na viabilidade celular. Finalmente, o pré-tratamento com o quelante de cálcio intracelular BAPTA-AM foi capaz de prevenir parcialmente o aumento dos parâmetros respiratórios causados pelo IVA. Assim, é plausível sugerir que a exposição dos neuroblastomas ao IVA esteja afetando o conteúdo energético e a dinâmica de cálcio nestas células, as quais, por meio de mecanismo compensatório dependente de AMPK, aceleram suas taxas de consumo de oxigênio para produção de ATP. Em paralelo, a diminuição da viabilidade das células pode estar relacionada a um processo independente da AMPK e do desbalanço energético, pois bloquear a via da AMPK não é suficiente para deter o dano celular causado pelo IVA, e as células sucumbem. Logo, é possível que esses achados expliquem, ao menos em parte, uma nova visão sobre a fisiopatologia das alterações neurológicas na IVAcidemia. A morte de neuroblastomas causada pelo IVA pode decorrer de eventos não necessariamente relacionados à bioenergética, mas sim de desequilíbrios metabólicos mais amplos, envolvendo, por exemplo, alteração na homeostase do cálcio e descontrole em processos autofágicos.